Artigo
- Viviane Peres
- postou em Sex, 28 Set 2007, 16:30
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OS ENGENHEIROS CIVIS NO SÉCULO XXI
António ADÃO DA FONSECA
Engenheiro Civil - AFAssociados, Projectos de Engenharia, SA Professor Catedrático da FEUP
Presidente do Conselho Europeu de Engenheiros Civis1. INTRODUÇÃO
A evolução da sociedade no século XX é patente nos mais diversos aspectos da vida humana, e o século XXI indicia que essa evolução continuará de uma forma ainda mais acelerada e com contornos e implicações talvez impossíveis de identificar plenamente. Mas, no passado como no futuro, o Engenheiro Civil é o profissional que constrói a Civilização. Esta realidade nem sempre é reconhecida pela sociedade e infelizmente é pouco assumida pelos próprios Engenheiros Civis. Obviamente, aos construtores da
civilização cabe uma responsabilidade muito acrescida de se prepararem para tal futuro, pois a capacidade de construir marcha a par da capacidade para destruir.
Em geral, a sociedade tem acreditado que os Engenheiros Civis estão capacitados para tomar as decisões corretas sob o ponto de vista técnico sem descurar todos os outros valores essenciais da sociedade que neles confia. Decisões cujos resultados só depois de executadas são conhecidos. Por isso, a profissão de Engenheiro Civil, tal como a profissão de Médico, é uma profissão de "confiança pública".
Com efeito, a sociedade espera e confia, a priori, que tais profissionais têm as Competências suficientes para assumir as Responsabilidades que lhe são pedidas e confiadas. Para isso, a sociedade preocupa-se em garantir que os Engenheiros Civis adquirem a Formação necessária ao exercício dessa Profissão, e cada vez mais pede às Associações Profissionais que façam o seu enquadramento de Qualificação Profissional. Mas por muito objetivos que sejam todos esses conceitos, a cada profissional cabe uma enorme liberdade de interpretação que tem de ser pelo menos orientada por um conjunto de
valores comuns.
2. ÉTICA, MORALIDADE E DEONTOLOGIA
A Ética diz respeito à dimensão pessoal de qualquer acção humana, ao modo como a ação
emerge da natureza interna do ser humano. Por sua vez, a Ética substancia e provê a compreensão da Moralidade, que se relaciona com ações guiadas por hábitos e costumes, portanto externa ao indivíduo e conduzindo a leis e regras. Finalmente, a Deontologia abraça Ética e Moralidade e fixa os deveres e responsabilidade requeridos por um determinado ambiente profissional.
Uma questão básica diz respeito ao significado de Profissão, a qual é caracterizada pelos seus objetivos mas cuja identidade requer ideais comuns (um código ético) e padrões e regras comuns (um código deontológico). Obviamente, os códigos devem servir para benefício da sociedade, mas a proteção dos membros da Profissão é o seu o corolário mais importante.
Por outro lado, o contexto variável no qual os profissionais exercem a sua Profissão exige um novo olhar sobre os valores éticos tradicionais e uma maior consciência das percepções da sociedade para a natureza de cada Profissão. Mas quaisquer que sejam os interesses e prioridades do momento, a Ética de uma Profissão deve ter a forma de um compromisso com princípios imutáveis e permanentes. Pelo contrário, a Deontologia de uma Profissão pode refletir qualquer evolução no âmbito daquela Profissão e- integrar novas exigências fixadas pela sociedade. Assim, a Ética e a Deontologia de uma Profissão constituem, em conjunto, o Código de Conduta Profissional dessa mesma Profissão.
3. O CÓDIGO DE CONDUTA PROFISSIONAL DO ENGENHEIRO CIVIL
A existência de um Código de Conduta Profissional é então importante para qualquer Profissão, mas é absolutamente fundamental numa profissão de "confiança pública". Sem dúvida para garantia e segurança da sociedade em geral, mas também, talvez até com maior acuidade, para defesa dos próprios profissionais das exigências ou até prepotências a que tantas vezes são submetidos. E tais prepotências são freqüentemente oriundas dos "intérpretes" do Bem Público. Um Código de Conduta Profissional é, então, uma componente essencial e indispensável para o exercício livre e responsável da profissão de
Engenheiro Civil.
Neste contexto, o Conselho Europeu de Engenheiros Civis (ECCE) aprovou, por unanimidade, na sua Assembléia Geral realizada na cidade de Roma, no mês de Maio de 2000, o Código de Conduta Profissional do Engenheiro Civil Europeu.
E fê-lo na convicção de estar a aprovar um Código de Conduta Profissional para o século XXI.
No seu Preâmbulo declara que
• O objetivo da Engenharia Civil é melhorar as condições de vida da Humanidade,
salvaguardando sempre a vida, a saúde e a propriedade;
• O Engenheiro Civil está ao serviço da sociedade e deve promover a cultura e a qualidade de vida;
• e
• O Engenheiro Civil deve conhecer as necessidades do presente e procurar antever os
desenvolvimentos do futuro.
O Código está organizado em cinco capítulos, em ordem decrescente de importância. Em
primeiro lugar está "a Sociedade", isto é, a Humanidade. Em segundo lugar vem "o Ambiente", ou seja, os restantes seres vivos e a Natureza em geral, na medida em que proporcionam o "habitat" da própria Humanidade. Em terceiro lugar está "a Profissão", como espaço de desempenho responsável e competente do serviço de Engenheiro Civil. Em quarto lugar surge "o Cliente e o Empregador", a quem e para quem se presta o serviço. Finalmente, em quinto lugar, estão então "os outros Engenheiros Civis", com quem se partilham os deveres e as responsabilidades profissionais. A ordem de valores é bem diversa da prática recente, em que os profissionais tendiam a valorizar primeiro as suas posições e interesses profissionais.
4. A FORMAÇÃO E A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO ENGENHEIRO CIVIL
No século XX, o prestígio e os vencimentos foram considerados crescentemente como as
medidas de sucesso público. No século XXI, a qualidade do serviço prestado à sociedade, a promoção de cultura e a qualidade de vida conseguida serão as medidas do sucesso e do reconhecimento público. O prestígio e os vencimentos derivarão então destes últimos valores.
Portanto, o Engenheiro Civil do século XXI deve:
- Preocupar-se com o ambiente profissional do seu trabalho, com a qualidade do seu serviço e com as suas funções e envolvimento;
- Estar atento às necessidades e expectativas da sociedade;
- Ter um compromisso com a difusão de cultura e de qualidade de vida a toda a Humanidade; e
- Estar consciente das responsabilidades e deveres do Engenheiro Civil em relação com os
ambientes naturais e construídos.
Para isso, o Engenheiro Civil do século XXI deve
- Ter os mais elevados padrões éticos de comportamento;
- Exigir os padrões técnicos mais elevados;
- Informar-se; e
- Reconhecer e aceitar a diversidade.
Estes objetivos têm de ser conseguidos dentro de um ambiente profissional em mudança
constante, a qual se manifesta na evolução da indústria da construção, na globalização de todos os mercados, na concentração do controlo da atividade econômica e financeira, no movimento livre de pessoas, na exigência de salvaguarda do ambiente, da segurança e da qualidade de vida, e, com conseqüências e implicações sempre superiores ao antecipado, no envolvimento direto da sociedade em todos os processos de tomada de decisão, envolvimento esse amplificado pelos meios de comunicação social e pelos canais poderosíssimos de informação do presente, e ainda mais no futuro.
Uma formação científica, alargada e profunda, em Matemática e em Física é essencial para o Engenheiro Civil do século XXI, tal como o foi na segunda metade do século XX. Mas no século há pouco iniciado, as capacidades de informação e comunicação e de tomada de decisão farão a diferença.
No século XXI, uma informação e comunicação capazes requerem o uso de computadores e o conhecimento de várias línguas nacionais. E pelo menos no futuro mais próximo, a língua inglesa é indispensável. No entanto, tem de ser reconhecido que uma comunicação completamente bem sucedida precisa de assentar numa boa relação e conhecimento pessoal. E, para isso, é importante conhecer a língua nacional do local onde se pratica a atividade profissional. Só então se desenvolve uma confiança mútua forte e se pode conseguir um sucesso profissional duradouro.
Num mundo cada vez mais consciente dos limites dos seus recursos naturais, as decisões são extremamente dependentes do custo e eficiência da sua implementação. Assim, o Engenheiro Civil do século XXI precisa também de ter um bom conhecimento base de microeconomia, de finanças e de contabilidade.
Mas, ACIMA DE TUDO, o Engenheiro Civil é um profissional que tem, e precisa de ter, a
"confiança pública" da sociedade. Ora confiança implica o mais elevado comportamento ético. Nessa medida, ser-Ihe-á dado o reconhecimento profissional e social.